domingo, 27 de Abril de 2014

Opinião: A Escolha dos Três (Stephen King)



Título A Escolha dos Três (A Torre Negra - Livro 2)
Autor Stephen King
Edição Bertrand Editora
Título Original The Drawing of the Three (The Dark Tower)
Tradução Rosa Amorim
Género Fantasia
Páginas 424 | PVP 17,70 €
Ano 2014 | Original 1987
Sinopse aqui
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Originalmente publicado em 1987, cinco anos após o seu antecessor, A Escolha dos Três é o segundo volume da épica saga «A Torre Negra», um dos mais populares e reputados trabalhos da preenchida carreira de Stephen King. Por se tratar esta da análise de uma sequela, irei necessariamente abordar alguns aspectos que desvendam, entre outros, o desfecho do primeiro volume. Fica então o aviso: se ainda não leu O Pistoleiro e se pretende manter longe de spoilers, não passe deste parágrafo. Visite antes esta opinião.


A narrativa d'A Escolha dos Três tem início cerca de sete horas após o desfecho d'O Pistoleiro. Vendo-se enfim livre do homem de negro mas ainda muito longe do seu verdadeiro e grandioso objectivo — a Torre —, Roland recupera energias na praia. O seu descanso é, todavia, interrompido quando uma criatura monstruosa, semelhante a uma lagosta (uma lobstrosity, no original), o ataca, vinda do mar, e lhe leva, da mão direita, o indicador e o dedo médio, e do pé direito, a maioria do dedo grande. Cada vez mais debilitado pelos ferimentos, a única coisa que o nosso pistoleiro favorito pode fazer é continuar. E, claro, esperar que se cumpra a profecia final de Walter.

Recorde-se que, nas últimas páginas d'O Pistoleiro, o homem de negro leu o futuro de Roland com um baralho de cartas de tarô. Três das cartas exibidas, representando obstáculos entre o pistoleiro e a sua Torre, foram o Prisioneiro («Encontra-se à beira do roubo e do homicídio. Foi infectado por um demónio. O nome do demónio é Heroína.»), a Senhora das Sombras («Parece-te ter duas faces, pistoleiro? E tem mesmo. Um verdadeiro Jano.») e a Morte («Mas não a tua.»). O mistério só é desvendado quando Roland se depara, enfim, com a primeira de três portas verticais no meio do extenso areal. Tem nela inscrita a palavra «prisioneiro».

Tudo se altera a partir daí.

É tempo de uma breve confissão. Eu gostei (muito) d'O Pistoleiro, mas, francamente, quase não me pareceu Stephen King. A prosa trabalhada, pouco natural, muito poética, confere um surrealismo interessante à obra e enquadra-se na perfeição ao mundo que lhe serve de cenário, mas senti alguma saudade, se assim se pode chamar, do «repentismo» narrativo e dos irreverentes diálogos que deram a King o trono dos contadores de estórias. As primeiras páginas d'A Escolha dos Três, resumidas nos parágrafos anteriores, têm o mesmo tom do primeiro volume... mas eis que Roland transpõe a primeira porta e «A Torre Negra» ganha uma nova face.

Foi aqui, precisamente aqui, que a saga me «apanhou». Foi aqui que as páginas começaram a voar a grande ritmo. E foi aqui que compreendi o quase ínfimo potencial criativo da ideia.

Não querendo desvendar as surpresas da obra, limito-me a destacar alguns dos seus trunfos: muita acção, de diversos tipos, incluindo a que será provavelmente a melhor cena de tiroteio que já li («Vai haver tiroteio.»/«Vai?»/«Vai. E bastante, acho eu.»); personagens novos, bem definidos e com muito para mostrar (gostei particularmente de Eddie); uma frase de três páginas (toma lá, Saramago!) na mente de uma louca; muita crítica social, incluindo apontamentos hilariantes, sempre que Roland se põe a tentar perceber pessoas e mundos que desconhece; e, talvez melhor que qualquer outra coisa, a sensação que fica de que, por muito bom que este tenha sido, o próximo volume d'«A Torre Negra» deverá ser ainda melhor.

Já se percebeu que gostei bastante e a recomendo mesmo a quem nem tenha apreciado por aí além a primeira aventura de Roland; devo, no entanto, terminar com um breve reparo à tradução da obra. Tenho por hábito ler alguns livros, em especial os de autores com vozes narrativas demarcadas, enquanto ouço os audiobooks dos trabalhos originais. Por outras palavras, leio português e ouço inglês. Isto permite-me, entre outras coisas, avaliar a tradução.

Há que admitir que, no caso específico d'A Escolha dos Três, era um trabalho extraordinariamente complicado, em particular sempre que uma certa Detta Walker decide dar um ar da sua graça («You want it, mahfah? I goan give you what you want, sho!»), mas infelizmente reparei que a linguagem de King é com frequência simplificada, acabando em diversas passagens por perder muito do seu brilho original, algo que não acontecia (tanto) no primeiro volume da saga. Para ter a certeza que não perde nada, aconselho que faça como eu e acompanhe a leitura com a impressionante narração de Frank Muller no audiobook original. Afinal, um grande livro merece sempre uma grande voz.

Texto: Tiago Matos

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